Além de funcionarem como uma "enciclopédia natural", os bestiários eram livros que durante a Idade Média foram utilizados pela IGREJA CRISTÃ como instrumentos de ensinamentos morais. Nesta época, a Igreja era a detentora suprema da explicação de tudo que ocorria no mundo.
Cada MONSTRO, BESTA ou ANIMAL descrito nos bestiários era acompanhado de uma LIÇÃO MORAL comentada. Interpretava-se cada animal como sendo uma evidência de DEUS para o mundo, pois neles estariam contidos os "comportamentos que convidavam a refletir sobre as verdades bíblicas". Para cada PLANTA, PEDRA, ANIMAL, BESTA ou MONSTRO, sempre era associado um VÍCIO ou uma VIRTUDE, explorados nos ensinamentos morais.
Apesar de nos dias de hoje tudo isso parecer "sem sentido", os bestiários foram culturalmente muito importantes para a época. Foram o segundo tipo de publicação mais lida na Europa. Só perdia para a Bíblia.
Por que toda esta popularidade?
A compreensão se dá quando se analisa o contexto cultural da época medieval.
Pouco de conhecia do mundo, a ciência não era empírica, o conhecimento vinha de poucas observações e experiências práticas e era uma época que se dava muito valor para as crenças, lendas e mundos imaginários. O universo intelectual e cultural medieval inspirava-se nas fontes clássicas para impulsionar sua ciência. Até então, as principais fontes de conhecimento seram as SAGRADAS ESCRITURAS. Para o medievo, o ser sábio era aquele que seguia e usava a palavra de DEUS.
O termo "BESTAS" foi citado em antigas versões da Bíblia.
Em Gênesis 1:26 - Deus criou o homem "a sua imagem e semelhança, para que ele presida os peixes do mar, as aves do céu, as bestas e a todos répteis que se movem sobre a terra...". Em Gênesis 2:19 - "... e o nome que Adão pôs a cada animal é o seu verdadeiro nome...". As tradições do Velho Testamento contribuiram bastante para justificar a existência dos bestiários. Também, o Novo Testamento em muitas citações: a pomba que surge no batismo de Cristo no rio Jordão representando o espírito de Deus; os cães que lamberam as feridas de Lázaro; a comparação que Cristo fez do Rei Herodes com uma raposa.
Além do legado bíblico, obras de autores da antiguidade clássica também se tornaram fontes dos bestiários. Destaque especial às obras de três autores:
Aristóteles que estudou de maneira vasta os animais, e é considerado como o verdadeiro fundador da zoologia;
Heródoto que no Séc. V a.C descreveu muitos animais não conhecidos pelo povo;
Clésias de Cnidos, um médico grego que no Séc. V a.C escreveu um tratado com várias ideias e lendas do mundo grego e persa. Entre eles os GRIFOS, UNICÓRNIOS, CINOCÉFALOS (homens com cabeça de cachorro) e MANTÍCORAS (bestas com face de homem, corpo de leão e rabo com ferrão de escorpião).
O primeiro bestiário escrito foi o livro PHYSIOLOGUS no Séc II d.C em Alexandria, com autoria anônima. Continha menção de 49 animais, a maioria selvagens e animais fabulosos. Os manuscritos do Physiologus foram compilados e reorganizados pelo BISPO ISIDORO DE SEVILHA no livro XII intitulado "Os animais" da coleção "Etimologias" editada por ele. O Bispo anexou para cada descrição de animais, as lições edificantes cristãs. A partir daí, os demais bestiários mantiveram as lições morais.
A designação "BESTIÁRIO" foi utilizada a primeira vez na Inglaterra no Séc. XII na obra de Philippe de Thaon. É o mais antigo bestiário medieval. Possui 3.194 versos de animais, aves e pedras. É aquele que mais se aproxima do Physiologus.
No início do Séc. XIII surge o "Bestiaire" de Gervaise com 1.280 versos rimados. Entre 1210 e 1211, Guillaume Le Clerc publica "Bestiaire" ou "Le Bestiaire Divin", com 3.426 versos. Entre 1210 e 1218, Pierre de Picard editou um bestiário com duas versões; uma curta com 38 capítulos e outra longa com 71 capítulos.
Outros bestiários foram editados ao longo do tempo como o "Fisiológico de Berna", o "Bestiário de Rochester", o "Bestiário de Aberden", e o "Bestiário de Oxford".
A força do Iluminismo que assolou a Europa desde o começo do Séc. XVII fez com que os bestiários fossem aos poucos perdendo sua importância e popularidade.
Para finalizar, resta registrar que o termo "BESTIÁRIO" era também utilizado na Roma Antiga para denominar homens que combatiam animais ferozes nas arenas.
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